A selvageria na Arena Joinville, na última rodada do Brasileirão, expôs uma triste realidade: a CBE o poder público e, principalmente, os torcedores comuns são reféns de 30 torcidas organizadas, com 200 mil sócios registrados no país. Esses grupos impõem o terror nos estádios. No domingo, na partida entre Atlético-PR e Vasco, bastaram 30 ônibus com 1,4 mil arruaceiros para protagonizar a barbárie que deixou quatro feridos e obrigou o árbitro a interromper o jogo por uma hora e 15 minutos. A sete meses da Copa de 2014, as cenas de violência mancham a imagem do Brasil no exterior e levantam dúvidas: estamos prontos para garantir a segurança em campo durante o Mundial? Preocupada, a presidente Dilma cobrou providências do ministro Aldo Rebelo
Torcedores comuns, a CBF, o poder público e o futebol brasileiro, de um modo geral, estão nas mãos das 30 maiores torcidas organizadas do país. Levantamento do Correio mostra que número de associados nesses grupos mal chega a 0,1% da população nacional
Bastaram 32 ônibus para estabelecer o caos na Arena Joinville (SC), no Atlético-PR x Vasco de anteontem, pela última rodada do Campeonato Brasileiro. E expor mais uma vez a impunidade dos integrantes das torcidas organizadas acostumadas a se livrar de sanções na mesma velocidade em que afastam o torcedor comum dos estádios. Vinte veículos saíram do Rio de Janeiro com vascaínos; 12 deixaram Curitiba com atleticanos. Uma parte desses 1.400 torcedores foi suficiente para manchar não só a competição, como também a imagem do futebol brasileiro, além de ferir gravemente quatro pessoas e deixar um país estarrecido com cenas surreais para uma partida de futebol. Os outros 7,4 mil presentes no estádio apenas testemunharam a barbárie nas arquibancadas.
Essa proporção não está restrita ao jogo de Joinville. Ao contrário, escancara a situação do brasileiro que vai a um estádio. Levantamento do Correio com as 30 maiores organizadas do país indica a existência de pouco mais de 200 mil cadastrados ativos nesses grupos, o que significa 0,1% da população brasileira. “Os torcedores comuns são reféns das organizadas. E esses grupos, por sua vez, são reféns de facções minoritárias dentro deles”, avalia o sociólogo Maurício Murad, estudioso da violência no futebol nacional.
O termo utilizado por Murad mostra mais. Aparentemente, não só os torcedores são reféns. O poder público, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e os clubes de futebol simplesmente não sabem lidar com 30 organizadas. Ao menos 15 partidas do Brasileirão deste ano tiveram confrontos, dentro do estádio ou nas proximidades dele. Contabilizando outras competições, o cenário fica ainda mais grave. Trinta pessoas morreram neste ano por causa de divergências relacionadas ao futebol (leia reportagem na página 2).
Desta vez, a comoção causada pelos enfrentamentos de Atlético-PR x Vasco mobilizou também o governo federal. Ontem, a presidente da República, Dilma Rousseff, convocou o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, para exigir mudanças imediatas na forma como o futebol é tratado dentro e fora do estádio (leia reportagem na página 4). As punições do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) não têm sido suficientes. O órgão se limitou a castigar as equipes com perdas de mando de campo: o jogo em Joinville foi disputado a 130km de Curitiba devido aos confrontos no clássico Atletiba, mas as cenas se repetiram. E em doses mais graves.
Isso tudo porque a influência das torcidas organizadas no funcionamento de um clube de futebol não está nos cânticos de apoio durante as partidas. Politizadas, as facções têm apoios bem definidos. Opositora a Márcio Braga, a Raça Rubro-Negra chegou a atirar uma bomba em um treinamento do Flamengo, em 2008, quando o time estava na sétima posição do Brasileiro daquele ano. Já nos três anos sob o comando de Patricia Amorim, apesar da administração desastrosa da mandatária, não houve qualquer turbulência. O exemplo do Palmeiras é ainda mais recente: em março, dias depois de terem benefícios, como ingressos e passagens, cortados, integrantes da Mancha Alviverde chegaram a agredir o goleiro Fernando Prass.
Em lua de mel com o presidente do Atlético-PR, Mário Celso Petraglia, desde 2011, o grupo Os Fanáticos pode se surpreender com o cartola. “É um calo no nosso pé que está doendo e temos de extirpar”, discursou ontem, em meio à péssima repercussão do jogo de Joinville. O relacionamento com a principal organizada do Furacão, com 18 mil associados, já foi mais cordial. Em agosto, o clube chegou até a emitir nota oficial para agradecer aos organizados por terem “coibido e protegido o patrimônio atleticano” quando o grupo revidou, com pedras e pedaços de madeira, a ação de manifestantes que pretendiam invadir a Arena da Baixada.
Autor(es): Braitner Moreira, Rodrigo Antonelli
Correio Braziliense