Valor corresponde a reembolso feito pela Câmara no primeiro semestre; parlamentares justificam consumo total com apenas uma nota fiscal
Com apenas uma nota fiscal emitida ao mês, deputados federais conseguem usar toda a cota de combustíveis a que têm direito. No Senado, os valores chegam a ultrapassar os R$ 20 mil. Entre os documentos apresentados, estão notas de postos de combustível de parentes dos parlamentares e estabelecimentos que foram doadores em suas campanhas.
Levantamento feito pelo Estado mostra que, no primeiro semestre, dez deputados gastaram até o último centavo a que têm direito. Eles apresentaram apenas uma nota por mês com o valor total da cota, sempre em seus Estados de origem, nos mesmos estabelecimentos ou pertencentes ao mesmo dono.
De janeiro a junho, a Câmara dos Deputados gastou R$ 7,8 milhões para reembolsar os gastos de parlamentares com combustíveis e lubrificantes. Cada um tem direito a consumir R$ 4,5 mil mensais para abastecer veículos usados no exercício do cargo.
Ângelo Agnolin (PDT-TO), por exemplo, traz na descrição da nota apresentada em março o consumo de 1.521 litros de gasolina, o que seria suficiente para fazer um carro médio rodar pelo menos 15 mil quilômetros. Ainda na mesma nota, o deputado paga três preços diferentes de gasolina comum (R$ 2,79, R$ 2,95 c RJ 3,12).
BOMBA CHEIA
De Brasília a Pequim. Em linha reta: a distância, de 16.952 quilômetros, poderia ser percorrida com o volume de combustível consumido em um único mês pelos deputados
10 parlamentares gastaram o limite máximo - de R$ 27 mil cada - no consumo de combustíveis ao longo do primeiro semestre do ano:
• Ângelo Agnolin (PDT-TO)
• Aníbal Gomes (PMDB-CE)
• Ariosto Holanda (PROS-CE)
• Costa Ferreira (PSC-MA)
• Davi Alcolumbre (DEM-AP)
• Jovair Arantes (PTB-GO)
• Manoel Junior (PMDB-PB)
• Manoel Salviano (PSD-CE)
• Maurício Quintella Lessa (PR-AL)
• Vinícius Gurgel (PR-AP)
No Senado, os limites máximos indenizatórios podem ficar entre R$ 21 mil e R$ 44 mil mensais, a depender do Estado de origem do parlamentar
Fidelização. O deputado Davi Alcolumbre (DEM-AP) gasta toda sua cota no posto Salomão Alcolumbre & Cia. LTDA, em Macapá. O mesmo sobrenome não é coincidência. Salomão, ex-suplente de José Sarney e falecido em 2011, era tio do parlamentar. O posto continua sob o comando da família.
As normas de uso da verba indenizatória proíbem a utilização da cota para ressarcimento de despesas relativas a bens fornecidos ou serviços prestados por empresa da qual o proprietário ou detentor de qualquer participação seja o deputado ou parente de até terceiro grau. De acordo com o chefe de gabinete do parlamentar, a família Alcolumbre é dona de cerca de 70% dos postos de combustível do Amapá, “sendo inviável não abastecer na empresa de parentes”.
Em todas as notas de Davi Alcolumbre às quais o Estado teve acesso, os valores discriminados dos produtos sofreram pequenos arredondamentos para que o valor final fosse exatamente o máximo que a Câmara permite para reembolso. Na nota fiscal de março, por exemplo, apesar de a soma dos produtos consumidos totalizar R$ 4.501,70, consta no valor final o montante de R$ 4.500,00. Se o documento tivesse o valor correto, Alcolumbre teria de completar R$ 1,70 do próprio bolso, ideia que parece não ter agradado o parlamentar.
Minimalista. A técnica utilizada pelo deputado Vinicius Gurgel (PR-AP) é ser tão apurado quanto um conta-gotas na hora de abastecer. Os volumes de combustível chegam a ser medidos com até três dígitos depois da vírgula para que a nota fiscal alcance exatos R$ 4,5 mil. Em janeiro, foram 806,451 litros de gasolina e 991,189 litros de diesel.
Nas notas apresentadas pelo deputado Manoel Salviano (PSD-CE), o “desconto” é mais claro. Consta no documento de janeiro, por exemplo, “valor dos produtos: 4.510,45” e, logo abaixo, o ‘Valor total da nota: 4.500,00”. O dono do posto em que Salviano abastece todos os meses consta nos registros do Tribunal Superior Eleitoral como financiador da campanha do parlamentar.
Em 2010, Marciano Teles Duarte doou R$ 10 mil ao candidato. O mesmo registro aparece nas contas do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do deputado Biffi (PT-MS). O posto em que Alves gastou quase R$ 17 mil apenas no primeiro semestre também doou R$ 10 mil para a sua campanha eleitoral. Biffi, por sua vez, gastou R$ 21,5 mil de janeiro a junho no mesmo estabelecimento que doou R$ 1.330 para sua campanha em 2010.
Total flex. No Senado, só há restrição para o uso de combustível nos carros oficiais. A cota, nesse caso, é de 300 litros de gasolina por mês ou 420 litros de álcool. Já o reembolso de combustível usado em outros veículos, desde que seja justificado pelo exercício da atividade parlamentar, pode chegar mensalmente a valores entre R$ 21 mil e R$ 44 mil, que são os limites máximos da verba indenizatória, dependendo do Estado de origem do parlamentar.
O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) apresentou em junho uma nota fiscal no valor de R$ 22,5 mil com a justificativa de que eram “despesas com combustíveis para atender demanda do escritório político em Boa Vista”. No posto onde a nota foi emitida, o litro da gasolina custa R$ 3,03. Com o valor da nota, é possível comprar quase 7.500 litros do combustível, o suficiente para abastecer 185 carros médios.
Neste ano, Mozarildo apresentou outras seis notas emitidas pelo mesmo posto, que variam de R$ 2 mil a R$ 3,5 mil. Somados, todos os documentos pagos pelo Senado alcançam um montante de R$ 39 mil apenas com combustível A equipe de gabinete do senador não detalhou o consumo, mas informou que todos os gastos são previstos nas regras do Senado.
Alves garante que gastos estão abaixo do limite
A assessoria de imprensa da presidência da Câmara informou que os gastos de Henrique Eduardo Alves respeitam as regras previstas em lei e estão abaixo do limite estabelecido pela mesa díretora. A assessoria de Biffi, por sua vez, afirmou que o parlamentar não tem nenhuma relação com o dono do posto onde abastece o carro e que frequenta o local por questão logística, dada a proximidade com seu escritório. Segundo o gabinete, a doação de campanha, feita em combustível, ocorreu porque Biffi é cliente antigo.
Procurado, Ângelo Agnolin disse que o consumo é elevado, mas dentro do limite e se justifica pelo tamanho do Estado do Tocantins, onde ele desenvolve projetos em todas as regiões. Sobre a divergência de valores cobrados na mesma nota e no mesmo mês, o gabinete do deputado informou que vai analisar os documentos com mais profundidade. Manoel Salviano e sua equipe de gabinete não foram encontrados até esta edição ser concluída. / B.C.
Estado de S.Paulo