Um cadáver humano em chamas é revirado e vilipendiado com um cabo de vassoura, enquanto várias pessoas ao redor celebram aquela morte. Poderia ser apenas uma produção cinematográfica de gosto duvidoso, mas é a realidade atual do sistema penitenciário cearense, que apresenta um cenário de fugas em massa, cadeias destruídas, assassinatos brutais, decapitações, enfim, um verdadeiro estado de selvageria.
No penúltimo fim de semana, uma série de rebeliões foi deflagrada em diversas unidades prisionais do Ceará. Os números da barbárie ainda estão desencontrados, mas já se fala em cerca de quase 30 mortos nas unidades prisionais, um massacre, além de numerosas fugas e da destruição significativa das estruturas carcerárias. A suspensão das visitas em decorrência da greve dos agentes penitenciários foi apenas o estopim da crise que assola o nosso sistema penitenciário, que é fruto de um represamento de deficiências históricas e passa, necessariamente, pelo ócio prisional.
As penitenciárias brasileiras cumprem o papel de isolar da sociedade os indivíduos perigosos, mas não os recuperam. Sendo pouco estimulados no ambiente penitenciário, os presos afundam-se ainda mais no pântano da criminalidade. É preciso estimular o sentimento de “utilidade social” dos detentos que, uma vez preenchedores dos requisitos legais, poderão ter uma oportunidade de trabalho e, assim, buscar o resgate da dignidade humana. Apesar do reconhecido esforço da Secretaria da Justiça em ativar programas e projetos, dos mais de 22 mil presos cearenses nem 10% deles possuem alguma ocupação como estudar ou trabalhar.
Por outro lado, as empresas e o mercado de maneira geral só aproveitarão a força de trabalho dos egressos se estes estiverem devidamente qualificados e imbuídos da vontade de (re)inserir-se no cenário laboral. Não se trata de privilegiar aqueles que causaram mal à sociedade, mas, sim, de fraturar o círculo vicioso da reincidência e encontrar uma solução para o panorama apocalíptico que nos aflige, afinal, como escreveu Evandro Lins e Silva: “Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior do que isso tudo, são atirados a uma obrigatória marginalidade. A sociedade que os enclausurou, sob pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver alternativa, o ex-condenado só tem uma solução: incorporar-se de vez ao crime ’’.
Leandro Vasques
leandrovasques@leandrovasques.com.br
Advogado, diretor consultivo da Escola Nacional de Advocacia (ENA) e vice-presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública
Via O Povo
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