O dia de ontem foi histórico na Câmara dos Deputados em vários aspectos. Não tenho conhecimento de que, na história do Poder Legislativo, uma autoridade do Poder Executivo já tenha se referido daquela forma aos parlamentares. O ex-ministro Cid Gomes (Pros) foi corajoso, certamente. A fala tornou sua situação política insustentável. Por isso, fato também inusitado, quando abandonou o plenário já era ex-ministro de fato. Cruzou a rua e foi ao Palácio do Planalto para formalizar o inevitável.
Cid abandonou a sessão para a qual havia sido convocado - coisa que já era inédita em mais de duas décadas - depois de ser chamado de palhaço pelo deputado Sergio Zveiter (PSD-RJ). Exigiu respeito, teve a palavra cortada e ainda foi repreendido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ): “Vossa excelência nem parlamentar é pra interferir dessa forma”, disse o peemedebista. Era demais para quem, como governador, nunca teve problema real com o Legislativo. A insatisfação dos parlamentares derrubou, de forma quase imediata, um dos mais importantes ministros do governo. Também não é algo que se possa considerar rotineiro na política.
Foi por uma trapalhada verbal que o ex-governador cearense se tornou um dos ministros de mais efêmera passagem da história do Poder Executivo no Brasil. Não que tenha dito algum absurdo. É senso comum o clientelismo, o fisiologismo, o patrimonialismo, o jogo de interesses e chantagem que compõe as relações políticas. Quando governador, Cid teve alguns entreveros com sua bancada federal. Sabe do que está falando. O problema foi ter ficado nesse senso comum.
Pela posição que ocupava até ontem, Cid precisaria ir além, ser mais profundo e específico. Não apenas generalizou – o que já seria ruim. Na sua contabilidade de “300 a 400”, colocou na maioria do Congresso Nacional a pecha de “achacadores”. Não deixou margem para dúvida de que, em sua opinião, são eles que comandam o Poder Legislativo brasileiro. E sobretudo na base aliada do governo do qual fazia parte.
E teve razão na cobrança o líder peemedebista Leonardo Picciani (RJ): a fala de Cid foi sem consistência e sem dar nomes. Os deputados se mostraram chocados, mas sabem que o ministro não fala de algo irreal, absurdo. Para ser dito, entretanto, precisa ser provado. E precisa ser nominado. Sem isso, é apenas desaforo.
CID FICOU SEM MARGEM PARA RECUO
Cid argumentou que não falou a frase em público. Mas é o cruel ônus do mundo de hoje: tudo se grava, tudo é difundido. Uma vez que sua manifestação foi divulgada, ele tomou a única atitude que caberia: admitiu o que disse. A partir daí, poderia ter recuado, pedido desculpas. Fez isso com meias palavras. Pediu perdão àqueles em quem não cabia a carapuça. Assim, manteve o ataque a outros tantos. Foi corajoso, mas inviabilizou a permanência.
O ex-governador procurou demonstrar respeito pelo Legislativo. Mas completou: “O que não quer dizer que concorde com a postura de alguns, de vários, de muitos”. E disse haver oportunismo. Apontou para o presidente Eduardo Cunha e nele personificou a crítica de achacador. Àquela altura, com dedo em riste, devia se saber ex-ministro. Ao falar dos membros da base aliada que pressionam o governo, exortou: “Larguem o osso. Saiam do governo. Vão para a oposição”. E mais: cobrou à Câmara que investigasse quem custeou as despesas da comitiva de deputados médicos que foi a São Paulo na semana passada, para conferir se ele estava mesmo doente e impossibilitado de comparecer.
Os deputados já estavam furiosos e ficaram ainda mais, como seria previsível. Líderes de PMDB, DEM, Solidariedade, PSC, o líder da oposição e outros mais cobraram a saída imediata dele do ministério.
Foi constrangedor o silêncio da base aliada. Afora Domingos Neto, cearense e líder do Pros, ninguém partiu em sua defesa. A própria oposição cobrou do líder do PT que se posicionasse em defesa do ministro. Ao falar depois que Cid já se retirara, o líder governista José Guimarães (PT) informou que o ex-governador havia ido ao Palácio do Planalto se reunir com a presidente Dilma Rousseff (PT). E disse que não podia analisar qual era o cenário.
Os governistas não tinham argumentos para defender Cid. E, se tivessem, não seria inteligente fazê-lo, diante da fragilidade da base aliada e da crise política.
O FUTURO DE CID
Perante a opinião pública, Cid Gomes não se saiu mal. Falou o que muita gente pensa. Diante dos parlamentares, quem se pretendia o articulador de um novo grande bloco para dar sustentação à base aliada sai com as pontes queimadas, implodidas, destruídas. No Ceará, segue um líder político de primeira grandeza, embora seja o caso de se observar qual será a posição da bancada federal. Um bom punhado dos deputados cearenses querem lhe ver pelas costas.
Para o futuro, Cid mantém a força estadual. Perde, porém, o espaço que lhe daria projeção nacional. Fica sem visibilidade. Provavelmente, irá para os Estados Unidos, conforme era seu plano. Mas, certamente, voltará. Talvez para 2018.
Até lá, deverá enfrentar os processos que Eduardo Cunha anunciou que irá mover, tanto como pessoa física quanto em nome da Câmara.
O presidente da Câmara que, aliás, já apresentou queixa-crime contra o irmão de Cid, Ciro Gomes, por ter sido chamado, anos atrás de “relator dos trambiques que se fazem nas medidas provisórias”.
Erico Firmo/O Povo
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