O Congresso cuidou, em boa hora, de recusar a insensata e oportunista proposta de plebiscito sobre a reforma política da lavra do governo federal, no rol das medidas que pretendiam ser reação às manifestações populares de junho. Surpreendentemente, a reforma política voltou à tona em virtude de julgamento no Supremo Tribunal Federal de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela OAB, contra o financiamento das campanhas eleitorais por empresas. Não creio que o julgamento vá repercutir nas eleições de 2014, ainda assim faço algumas reflexões sobre a matéria.
A discussão sobre o tipo de voto (proporcional, distrital ou misto) é absolutamente improdutiva. Se o voto proporcional distancia o eleito do eleitor, o distrital tende a exacerbar as questões locais em um federalismo mais que imperfeito (no limite, os parlamentares federais se converteriam em vereadores federais).
Nenhum modelo de voto tem o monopólio das virtudes. Por isso mesmo, inexistem paradigmas internacionais. A solução adotada em cada legislação nacional é fruto de circunstâncias históricas complexas. Essa diversidade, contudo, não autoriza inconsistências, como a coligação partidária em eleições proporcionais — verdadeira jabuticaba eleitoral.
De igual forma, inexiste padrão internacional no financiamento das campanhas: nos Estados Unidos, ele é basicamente privado, com doações ilimitadas; na França, ao contrário, é quase que exclusivamente público, com contribuições privadas restritas a militantes; na Itália, acabou de ser editado, por pressão popular, decreto de emergência eliminando o financiamento público das campanhas; na Argentina, tal como no Brasil, o sistema é misto (público e privado).
Admitir como inconstitucional o financiamento das campanhas por empresas privadas requer sibilinas construções jurídicas. Se procedente a tese, concluiríamos que todas as eleições já realizadas tinham por base lei inconstitucional, o que implicaria ilegitimidade dos eleitos. Como na antiga União Soviética, aqui o passado, mais uma vez, se revela imprevisível.
O argumento da influência do poder econômico, em decorrência do financiamento por empresas, não se compadece com a evidência de que o maior protagonista das eleições são os governos. Para abonar tal fato, basta constatar a ampla propaganda governamental (agora, até o BNDES foi recrutado para a missão) ou os favores concedidos a empresas, por meio de créditos e incentivos fiscais, sem falar nas contratações, sem licitação, de obras e serviços.
O financiamento público, por meio dos fundos partidários e da veiculação "gratuita" (lastreada em renúncia fiscal) de propaganda no rádio e na televisão, tem por base critérios que, grosso modo, reproduzem os resultados das eleições passadas, o que significa dizer que tendem a preservar a estrutura de poder político.
A fiscalização dos partidos, quanto à imunidade fiscal, foi deslocada da Receita Federal para a Justiça Eleitoral, que não se encontra apetrechada para a tarefa, por absoluta falta de recursos humanos e materiais. À luz desses fatos, pode-se afirmar, com convicção, que, não raro, os partidos políticos se tornaram um novo, proveitoso e deplorável negócio.
Assim como a redução da carga tributária requer, inevitavelmente, redimensionamento da despesa pública, a difícil resolução do financiamento das campanhas passa por limitação dos gastos eleitorais. Enquanto não forem estabelecidas restrições a custosas despesas eleitorais — designadamente as atividades de marketing, pesquisas de opinião, "consultorias", "contratação" de cabos eleitorais —, o financiamento privado continuará a existir, de forma lícita ou ilícita.
Melhor ainda se fossem vedadas as emendas parlamentares ao Orçamento, fonte permanente de corrupção e barganha política. Infelizmente, essa utópica tese parece sucumbir ante a perspectiva de aprovação de um malsinado "orçamento impositivo" das emendas.
No que concerne ao financiamento das campanhas, grande inovação seria restringi-lo a dotações limitadas em valor e dedutíveis no Imposto de Renda, permitindo fundir, em uma única via, o vigente financiamento misto (público e privado), bem como estruturá-lo em bases correntes, com eliminação do arbitrário critério de partilha do fundo partidário. De qualquer forma, reforma política é prerrogativa inalienável do Congresso Nacional.
Correio Braziliense
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