Por esta, os senhores da Federação Mundial de Futebol (Fifa) não esperavam: um milhão de pessoas protestaram na quinta-feira à noite (20/6) em 100 cidades contra estádios caros e o gigantismo da Fifa. Justamente no Brasil, o país do futebol. O protesto destina-se, obviamente, não apenas à Fifa. As pessoas levantam-se contra a incapacidade de seu governo de concatenar o desenvolvimento social ao econômico. Levantam-se contra corrupção e inflação. E contra a reverência do governo brasileiro ante a Fifa e o COI, os dirigentes da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.
As pessoas estão revoltadas que seu país aceite a atitude “é pegar ou largar” que a Fifa e o COI impõem aos seus países anfitriões. Revoltam-se contra contratos restritivos das federações bilionárias que exigem isenção de impostos, exclusividade para seus patrocinadores bilionários e demandas por estádios ainda maiores, mais hotéis e aeroportos.
Os brasileiros não estão mais dispostos a aceitar isso. Ninguém deverá mais definhar para manter no ar a novela do esporte. Ninguém que não pode pagar o ônibus, o pão e a educação deve servir como pano de fundo para uma copa do mundo e imagens olímpicas ensolaradas. Se for para aceitar os padrões da Fifa, então, por obséquio, também para hospitais e escolas. Essa é a reivindicação da “voz das ruas”. Os brasileiros são os primeiros fãs de esporte do mundo que a pronunciam em voz alta.
Eventos mais modestos
As populações do Rio, de São Paulo e de Belo Horizonte fazem, deste modo, um favor ao mundo inteiro. Seus protestos evidenciam não só a maturidade democrática de um país que até trinta anos atrás era governado por generais. Expressam um sinal de “Pare” aos gigantes do esporte: até aqui e não mais. Finalmente, uma democracia levanta-se contra a profundamente antidemocrática Fifa. O que a África do Sul em 2010 e mesmo a Alemanha em 2006 não ousaram, assume agora um país emergente, que luta por seu lugar no mundo.
Há poucos meses, os cidadãos de Viena, seguidos pelos suíços do cantão de Graubünden se recusaram, em futuro próximo, a receber os Jogos Olímpicos em suas cidades. Grande demais, caro demais, não precisamos. Um estudo dinamarquês do ano 2011 mostra que eventos esportivos de grande porte migram das democracias da Europa e de América do Norte para estados autoritários, onde ninguém se insurge. Para a China, a Rússia, o Qatar. O Brasil era praticamente uma exceção democrática. As consequências são vistas agora.
Mas quem é que lê estudos dinamarqueses? As pessoas no Brasil mostram, finalmente, nas ruas, a insustentabilidade desta situação. A Fifa e o COI terão do que refletir diante destas imagens. Se, por conveniência, se retirarem para países de regimes autoritários, perderão, mais cedo ou mais tarde, a legitimidade democrática. Devem retornar, mas de outra forma. Devem incluir os anfitriões, permitir que participem também financeiramente. Os eventos devem tornar-se mais modestos, mais transparentes, mais individuais. As grandes federações de esportes terão que reorientar-se. Isso beneficiará todos, também os atletas e as competições, que, há muito, são tema marginal nesses grandes eventos. Por tudo isso, obrigado, Brasil!
Christian Spiller é redator da editoria de esportes do semanário Die Zeit
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