Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são os princípios que regem a administração dos Poderes da União, reza a Constituição. Esta, por sinal, foi elaborada em momento de grandeza política, naquele processo virtuoso dos anos 80 que aproximou a cidadania mobilizada dos seus representantes congressuais.
Mais do que fazer leis — a despeito de restarem uma centena de dispositivos constitucionais a serem regulamentados — cumpre ao Parlamento zelar pelo seu cumprimento. Diplomas legais não faltam no país da cultura bacharelesca: nos âmbitos municipal, estadual e federal há nada menos que 3,7 milhões de leis! Fazê-las descer do papel para a vida real é um imperativo.
Passados quase 25 anos daquele belo momento constituinte, em que Ulysses Guimarães (1916/1992) proclamou “nojo e ódio à ditadura”, as práticas do Congresso debilitam nossa democracia.
Preceitos constitucionais precisam ser praticados no âmbito dos próprios Legislativos: respeitá-los seria um regaste da credibilidade parlamentar e partidária, hoje rastejante.
Patrimonialismo, fisiologismo e clientelismo tomaram o lugar do espírito público, da disputa de ideias, da fiscalização dos Executivos, dos projetos de país e da visão de mundo.
A ganância particularista e o objetivo maior da mera reprodução de mandatos, em sistema fundado no poder do dinheiro, alimentam o balcão de negócios que, qual mercantilismo no templo, viceja no Parlamento.
O chicote da opinião pública, hoje sob a forma de desinteresse pela política, pode vir, no futuro, com o aguilhão da rejeição total e da aspiração por novos autoritarismos.
O Congresso Nacional não mostra apreço pela legalidade democrática: costumeiramente desrespeita seu próprio Regimento, sempre em favor dos grupos dominantes. A impessoalidade anda esquecida no ambiente de tráfico de influência e personalização da política.
Moralidade, que impõe a ética do interesse público sobre o ganho particular, é artigo raro: privilégios persistem, sob a enganosa defesa de serem ‘necessários ao exercício parlamentar’.
A publicidade fica tisnada por ‘atos secretos’, dificuldades de acesso a informações e até da divulgação prévia da pauta de votações. Onde está a eficiência quando não se atualiza a tempo o Fundo de Participação dos Estados e se acumulam 3 mil vetos sem apreciação?
Os parlamentares têm dificuldade de trabalhar com o que lhes é próprio: a divergência no enfrentamento das grandes questões, como a crise do sistema produtivo e da representação.
Tudo o que pode criar arestas com segmentos do “eleitorado”, categoria mais manipulável do que a cidadania, é deixado de lado.
Às vésperas da nossa maior festa popular, o carnaval, Suas Excelências escolherão aqueles que dirigirão as Casas do Congresso Nacional. É de se esperar que, no desfile das candidaturas, evolua o fundamental ao Legislativo, que é o protagonismo, a independência, a austeridade e a transparência.
Só esse enredo possibilitaria almejar uma “nota dez” para a atividade parlamentar, que não seria mais para lamentar...
Chico Alencar é deputado federal (PSol-RJ) , O Globo
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